Paranóias do relativismo: ou a ditadura da mentira.

Paranóias do relativismo: ou a ditadura da mentira.

Paranóias do relativismo: ou a ditadura da mentira.

26/03/2021


Este texto foi escrito no começo de janeiro de 2006. Parece-me atualíssimo, já que o relativismo moral e cultural se apossa de tal maneira nas academias brasileiras, que é um dado a ser comentado. Ainda ninguém se apercebeu do veneno que significa tais premissas de pensamento, pois elas são, na prática, negações lógicas do pensamento humano. Daí a idiotização total em nossas universidades, a incapacidade elementar de avaliar os conceitos e a padronização de um discurso automatizado e imbecilizador. Nietszche e Marx são apenas alguns pais espirituais dessa loucura, ou pelo menos, os mais populares. Há coisa tão pesada quanto. . .
Um aspecto curioso encontrado em boa parte dos debates acadêmicos, midiáticos e pretensamente intelectuais, é a idéia difundida do relativismo, em miúdos, da negação da verdade como elemento válido de descrição da realidade. De fato, o termo “tudo é relativo” é um cacoete mental repetido a exaustão, associando a sua força retórica com argumentos computados na antropologia e filosofia moderna. Vindo das raízes do materialismo, em particular, da popularidade sombria de Marx ou Nietzsche, a idéia de que a verdade não existe é um conditio sine qua non da cultura intelectual dominante, já que a tal maldita verdade é um capricho inútil, refletindo apenas questões classistas, antropológicas, ou a “vontade da potência”, o desejo do poder. Aqui a crença numa verdade não é vista como a busca racional do conhecimento, mas sim uma imposição retórica de interesses, em que cada um tenta convencer quem mente mais racionalmente. Isto porque, a razão, no ideário relativista, não é um juízo de compreensão objetiva da realidade, através da análise de uma relação de causa e efeito das coisas. É sim uma forma opressiva de justificar interesses particulares ou mesmo de cada um impor sua própria vontade.


Malgrado o mito da inexistência de uma verdade, esta é condenada em nome do combate ao dogmatismo. Afirmar que uma verdade existe, em certos meios culturais, é dar atestado de intolerância com as opiniões alheias. Inclusive, muitas pessoas condenam a crença na verdade absoluta, por julgá-la até “totalitária”. O mais impressionante, senão trágico, é que essa relativização total da verdade acaba se tornando contraditoriamente uma verdade dogmática. Por outro lado, qualquer negação da verdade se torna um contra-senso lógico, porque tal negação se presume ser uma premissa verdadeira.

A máxima “tudo é relativo” das academias e centros culturais esquece de relativizar o relativismo que apregoa e, no final, acaba negando o próprio enunciado lógico, caindo num nonsense. Aliás, a relativização de certos conceitos ou idéias, antes de ser um ponto contra a verdade, é, talvez o maior ponto favorável a ela. Isto porque só se pode negar uma verdade com outra verdade. Relativizar em si mesmo não é negar uma verdade, e sim relacionar uma verdade com fatos específicos até então não percebidos. Quando alguém afirma que algo é relativo, ele se esquece de afirmar que é relativo a alguma coisa e a não ser que ele seja um louco, ele deve acreditar numa outra verdade que implique essa relação.


De fato, eis a maluquice dos queridinhos de plantão, Marx e Nietzsche, e seus demais seguidores. Eles usam premissas absolutas de verdade para negarem a verdade. E pior, acabam por negar suas próprias verdades, pelo mesmo nexo lógico que fundamentam. Quando Marx afirma que os valores e as crenças da superestrutura espiritual são apenas um reflexo da infra-estrutura material e de um contexto histórico que reproduz esses valores, ele mesmo nega sua própria filosofia da história. É que o marxismo também está enquadrado na história como filho de seu tempo, e, portanto, os fatos históricos e as estruturas materiais também podem negar o marxismo. E o pensamento dialético materialista marxista não pressupõe, pelo seu próprio nexo lógico, que o marxismo possa também ser negado dialeticamente. Schopenhauer dizia que quando um hegeliano era pego nessa contradição ao ser refutado pela própria dialética, este afirmava, sofisticamente, que isto era a prova da dialética. Que dirá do marxista? O absurdo lógico se conclui assim: até a negação da dialética com algo contrário, é prova da existência da dialética. Eis a questão: o marxismo se acha superior a própria lógica que prenuncia e não está sujeita a ela. Ou seja, ele se afirma como filosófico e como verdade absoluta, mesmo relativizando e negando verdades absolutas em tudo. Marx preconizava que os valores como verdade e a moral são apenas reflexos da classe social dominante. Mesmo afirmando essas insanidades de pensamento, Marx não coloca sua própria teoria na lógica da classe dominante.


Quando Nietzsche afirma que a “vontade da potência” é o que determina as crenças da verdade, moral, lógica, e que a racionalidade implica apenas um reflexo instintivo do desejo de poder, ele está nos dizendo apenas algo que ele racionalmente crê verdadeiro. Nietzsche nega a validade objetiva da razão, declarando uma verdade e racionalizando algo que ele crê como objetivo: a negação da objetividade e da verdade. O interessante dessas análises, é que elas mesmas se assumem mentirosas nas entrelinhas; a verdade não é um entendimento da realidade, contudo, um recurso utilitário da persuasão e mesmo da indução e farsa mais descarada, em específico, como uso estratégico de luta pelo poder.

O efeito do relativismo nas áreas do conhecimento foi simplesmente devastador, ameaçando toda uma criação intelectual de mais de dois mil anos. A sua força destrutiva se refletiu na história, na moral, na cultura e mesmo nos valores políticos, levando praticamente a destruição da cultura ocidental. Foi pior do que isso. O relativismo promoveu os piores regimes tirânicos que se há noticia: os sistemas totalitários que dominaram o século XX.

A negação de conceitos absolutos e universais de verdade, cultura, moral e política, acabou por reduzir qualquer procedimento na ordem dos valores como um elemento de imposição arbitrária da mentira de um contra a mentira de outros. Por outro lado, a negação prévia de uma busca da verdade tende por pressuposto, uma completa inércia do pensamento, já que se os homens são incapazes de ajuizar valores compreensíveis e universalizáveis a todos os seus semelhantes, a conseqüência lógica disso é a indiferença, a inépcia e o niilismo. Observa-se no relativismo, dois tipos de ações permissivas e desastrosas: uma, é a anulação prévia da consciência, pela presunção de que o homem é impotente para compreender a realidade; e outra, a perversão da consciência, que julgando como ação e pensamento a mera projeção da vontade e do instinto, nega qualquer pressuposto de honestidade intelectual e utiliza a mentira, como método de explicação do mundo. E para isso, não somente se nivelam os valores, como os negam, destruindo a relação básica entre verdade e erro.

Muitos querem dissociar Marx e Nietzsche dos dois sistemas mais sanguinários da história humana: o comunismo e o nazismo. Todavia, para quem apregoou que a verdade, os valores e a moral são revogáveis por interesses lógicos inerentes a apenas a algum grupo ou a uma circunstância, não se pode negar as conseqüências catastróficas deste pensamento: a verdade não existe, logo, é permitido fabricar uma visão que condiz apenas com o que se quer impor. E os valores e os escrúpulos só existem enquanto convenientes ao desejo determinado de um grupo, ainda que o preço a ser pago é a matança, o extermínio em massa e a barbárie, já que a moral é relativa, e, portanto, não existe como regra geral. Pode-se mentir a vontade, pois a relação verdade e erro são apenas interpretações desconexas de desejos pessoais, e a “verdade” que predomina é aquela que de fato é imposta pela força. E aqui se pergunta: o que há de diferente no pensar de Marx e Nietzsche e Stálin e Hitler? A diferença apenas é de teoria e prática. Stalin e Hitler são as realizações práticas de Marx e Nietzsche. A mentira totalitária alucinante que povoou tanto o discurso do regime soviético como do nazista é fruto trágico da negação da verdade objetiva.

Ademais, o relativismo ganhou aura de filosofia elevada, posto que se supõe tolerante, uma vez que nega por si só, toda a tese dos malvados “donos da verdade”, “dogmáticos”, precursores dos piores fanatismos em torno de suas convicções. Sem contar as pérolas da antropologia cultural e da moralidade relativista, pomposas nas bocas das castas acadêmicas, achando-se progressistas por negarem qualquer juízo de valor na comparação das culturas ou mesmo na avaliação qualitativa de juízos morais. Para tais doutos niilistas, não existe juízos de valores que possam prejulgar em termos universais as culturas humanas, ou mesmo uma moral universal capaz de se tornar referências lógicas a humanidade como um todo, porque tais juízos estão apenas restritos a cultura de cada povo. No entanto, a loucura implícita deste raciocínio nos leva a terríveis engodos lógicos: primeiro, a negação de qualquer comparação cultural implica a negação da universalidade humana em favor das particularidades culturais. Segundo, só o fato de existir um juízo relativista no plano da cultura, já se presume que ele se nega enfaticamente, precisamente porque está sujeito a um juízo cultural particular, que não pode ser aplicado a outras culturas.

E o mais gritante, senão absurdo: se as culturas são apenas diferentes, e não podem nunca ser comparadas, pela impossibilidade lógica de se deduzir valores universais acima delas, logo, a cultura é elevada num plano absoluto, negando mesmo a idéia da humanidade. Como cada cultura não pode ser comparada, logo, cada cultura é um fim em si mesmo, e a relação que liga a humanidade enquanto espécie é negada. É mais grosseiro, o relativismo cultural, negando a humanidade, nega o intercambio cultural e as comparações que fazem desenvolver as culturas humanas. O relativismo, em suma, crê a cultura como monolítica e determinista. Na prática, o relativismo, em nome da tolerância cultural, cria a mais completa dogmatização da cultura, o seu mais completo autismo e mais grotesco absolutismo.

Os regimes totalitários, exaltando ao máximo a negação total da moral enquanto parâmetros objetivos e racionais; e mesmo negando a premissa básica da humanidade enquanto interação comum de uma espécie irmã, não somente recusou a dignidade elementar a diferentes indivíduos e culturas, como negou qualquer respeito universal ao ser humano. Se os valores da dignidade humana são tão válidos em relação a aquelas culturas em que ela é negada, como poderemos defender o respeito ao ser humano, quanto a massacres, genocídios, assassinatos em massa e todas as crueldades em que nossa história foi testemunha? Com que substrato moral, cultural e ético universal pode-se condenar os campos de extermínio nazistas contra judeus ou os arquipélagos gulags soviéticos sob o prisma do relativismo? Resposta: nenhum. Os crimes, como a moral, são apenas manifestações culturais particulares, e matar um judeu ou um dissidente soviético vale tanto quanto defendê-lo da barbárie, porque a moralidade de um nazista ou bolchevista valem tanto quanto de um cristão devoto. Pois na visão totalitária do relativismo cultural, um judeu não é humano tanto quanto um alemão e ambos refletem contextos culturais diferentes, que são determinantes, muito mais do que pelo fato de todos serem humanos. Que dirá dos absurdos de certos antropólogos, que em nome da autodeterminação de certas culturas, são capazes de defender as peculiaridades indígenas de comer carne humana, matar crianças indesejadas e outras bizarrices culturais? O direito à vida valeria no mesmo sentido, tanto quanto os hábitos alimentares hediondos ou o infanticídio, encontrados em determinadas comunidades.

Se o relativismo cultural leva a um total nonsense, a conseqüência fática disso é o relativismo moral que hoje impera em nossa sociedade. Na verdade, a relativização total da moral nega qualquer relação lógica entre atos humanos e conseqüências. Ou seja, tudo pode ser válido e permitido, pois se a moral não limita ou orienta nada no que diz respeito à consciência e à conduta, qualquer indivíduo pode fazer tudo que seja acima de seu limite. O mais terrível desta concepção antimoralista, é que ela supostamente crê “libertar” o homem de supostas formas de “repressão” que a moral implica. A pregação a favor da liberdade sexual irrestrita, os ataques à família, à religião, e a exaltação permissiva de conduta, seja na apologia irracional da violência ou numa suposta “resistência” a sistemas supostamente “opressivos”, levam somente a destruição das bases morais em que se fundamenta a solidariedade comum em sociedade. A falta de consciência moral no homem o barbariza, brutaliza. O domínio irracional do instinto acaba por prevalecer sobre a razão elementar. E se hoje, nos grandes centros urbanos, a violência beira a guerra civil, o terrorismo se torna prática política respeitável e o respeito mínimo a dignidade humana é solenemente ignorado, deva-se a esses pseudo-intelectuais militantes, partidários de uma esquizofrenia filosófica delirante, que em nome de libertar o homem, querem destruir todos os valores libertários que dignificam o homem. Sem contar a inversão de valores que hoje se apregoa sobre a sexualidade, no caso da apologia ao homossexualismo e mesmo da pedofilia, colocando-a no mesmo patamar de desejos sexuais heterossexuais. A família natural é negada como referência, com o advento do casamento e adoção de filhos por homossexuais, enquanto a infância é gradualmente erotizada e violada em sua inocência.


As filosofias ocidentais materialistas e relativistas são “uterinas” e alienantes. Elas parecem retroceder todo um processo histórico intelectual formado há milhares de anos para simplesmente nos reduzir a condição do animalesco. O relativismo é uma espécie de mal de Alzheimer, que de tanto negar a realidade, acaba por voltar a infância, ao instinto mais reducionista e primitivo da negação do pensamento. É como se numa inversão histórica, saíssemos do século XXI para voltarmos a Idade da Pedra do pensamento, retrocedendo a toda uma sorte de experiências vividas, para cair num completo vazio da existência.

A pior e a mais completa ditadura não será da violência física sobre o corpo e tampouco a censura intelectual externa da alma consciente. O fato de alguém agredir o corpo e censurar a alma é porque o poder despótico se sente ameaçado por um corpo que age e uma cabeça que pensa fora da área de seu domínio, o domínio interior da consciência. A pior ditadura será aquela que, negando qualquer juízo de conhecimento, parâmetros morais, epistemológicos, ou mesmo a verdade, transformará a consciência humana num automatismo irracional, incapaz de pensar no engodo em que vive, sem quaisquer referenciais para julgar a realidade. Enquanto a consciência oprimida tem idéia de sua opressão espiritual, porque consegue compreender a realidade, o relativismo nos leva a um grau de servidão em que ninguém se sente oprimido, precisamente porque a consciência racional é destruída. O matrix idealizado pelo totalitarismo, na destruição completa da divisão básica entre verdade e erro e na total negação de compreender da realidade, é um sonho que almeja ser alcançado. Em suma, a pior ditadura será aquela em que desvasta a consciência e a leva a loucura. É a ditadura do relativismo, a ditadura da mentira.


Leonardo Bruno / Conde Loppeux
20 de dezembro de 2006

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